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Trabalho apresentado como parte para conclusão da pós-graduação em Neurociência e Comportamento da PUC/RS. Por Gilclay Gomes de Abreu

Introdução

Ao contrário do que muitos podem pensar, Constelação Familiar nada tem a ver com estrelas, astrologia ou astronomia. O nome original é Familienstellen – terminologia alemã, cunhada pelo alemão Bert Hellinger, que desenvolveu este método terapêutico – tem como significado “colocação familiar”, ou seja, “colocar ordem, ordenar”. O termo ficou conhecido mundialmente como Family Constellations e no Brasil, Constelações Familiares (CF), que pode ser interpretado como agrupamento familiar, tal como um agrupamento de estrelas, no qual cada membro ocupa o seu lugar dentro de um sistema, uma constelação.

As Constelações Familiares, tem gerado muito interesse entre os profissionais de diversas áreas do conhecimento e grande curiosidade do público em geral.

As sessões, sejam elas em grupo ou individuais, são sempre carregadas de muitas emoções e sentimentos, levando a reações que variam de puro êxtase ao total repúdio por parte de psicoterapeutas e/ou clientes.

Na prática, essa técnica está conectada a teoria do psicodrama, introduzido por Jacob Moreno, formado em medicina e psiquiatria, e na reconstrução familiar, utilizada por Virgínia Satir, uma das fundadoras da terapia familiar, também conhecida com escultura familiar; e do lado teórico, Ivan Boszormenyi-Nagi que pesquisou e encontrou padrões de relacionamentos que podiam ser identificados através das gerações (FRANKE, 2013).

Este método é praticado por muitas pessoas – com ou sem formação superior, em vários países. No Brasil, iniciou no judiciário, na pedagogia e foi incorporado a lista das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde do SUS, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o PL-04887-2020, que regulamenta o exercício da profissão de Constelador Familiar Sistêmico ou Terapeuta Sistêmico.

O presente trabalho tem por objetivo informar a relevância do estudo aprofundado dos padrões inconscientes, não apenas os individuais, mas os de todos os grupos aos quais pertencemos, principalmente os padrões de nosso sistema familiar. Problemas como a perda da saúde física, mental e emocional, relacionamentos conflituosos, traumas e o fracasso nos objetivos de vida em geral, são investigados e solucionados através deste processo terapêutico breve chamado Constelação Familiar.

Dessa forma, a Constelação Familiar, com sua abordagem sistêmico-fenomenológica pode contribuir significativamente para a modificação genética, do epigenoma, de acordo com os estudos científicos na área da epigenética e da neurociência (FILHO et al, 2020). Durante a prática, as imagens de solução que são apresentadas, dentro do campo morfogenético, produzem alterações no nosso comportamento, na nossa compreensão e sentimentos, trazendo à luz da consciência os padrões e comportamentos negativos que herdamos dos nossos antepassados, provocando transformações na qualidade de vida atual e no meio em que vivemos, que podem resultar em alterações positivas em nossos genes, que serão transmitidos aos nossos descendentes.

Desenvolvimento

O trabalho de Constelações Familiares, como forma de terapia breve, que orienta os clientes a busca por uma solução, de forma rápida e precisa que conectam as pessoas dentro da dinâmica familiar, partir desse ponto, abordarei os principais conceitos que norteiam o entendimento da técnica – campo mórfico, morfogenético, epigenética, transgeracionalidade e as áreas de atuação de maior expressão.

Bert Hellinger – o criador das Constelações Familiares

Bert Hellinger nasceu em 1925, em Leimen, Alemanha. De família católica, aos 11 anos de idade, em 1936, durante o período nazista, foi estudar em um internato católico, dirigido por missionários, função que exerceu anos mais tarde. Aos 17 anos foi para o exército, onde foi feito prisioneiro americano. Sua família, católica, não compartilhava dos ideiais hitlerianos, por isso seu pai, apesar da pressão, não se filiou ao partido Nacional-Socialista. Bert se reunia clandestinamente com um grupo de jovens católicos, o que era proibido na época. Após a guerra, estudou filosofia e teologia e se tornou sacerdote de uma ordem católica em 1952. Em 1953 lecionou na África do Sul, ao mesmo tempo em que se graduou em Pedagogia. Lá, atuou como missionário, onde pode observar, participar e aprender as dinâmicas de grupo do povo Zulu, onde começou a perceber a fenomenologia como fonte de conhecimento. Permaneceu na África por 16 anos.

Devido às divergências entre sua conduta moderna e progressista e os ensinamentos e protocolos da Igreja, foi acusado de heresia e renunciou aos cargos sacerdotais que ocupava. E no final de 1969, regressou à Alemanha. Teve contato com a Terapia Gestalt com Ruth Cohn. Se formou em Psicanálise. Nos Estados Unidos, foi aluno de Arthur Janov, onde teve contato com a Terapia Primal e a Análise Transacional, de Eric Berne. Integrou a Hipnoterapia de Erickson com a PNL. Posteriormente, a terapia familiar com Ruth McClendon e Les Kadis. Em 1995, lança o primeiro livro, “A simetria Oculta do amor”, onde formula pela primeira vez as 3 leis da vida, que ele chamou de ordens do amor e da ajuda. Em 2004, Hellinger recebe o Nobel alternativo de Medicina Integrativa. Em 2005, estabeleceu-se a HellingerSciencia, com aplicação dos conhecimentos sistêmicos em diversas áreas da vida, como pedagogia, saúde, política, entre muitos outros. Em 2008, foi condecorado Doutor Honoris Causis em Medicina integrativa, recebendo um prêmio no mesmo ano em Nova Iorque pela sua contribuição através dos conhecimentos da Constelação Familiar. Faleceu em 19 de setembro de 2019 aos 93 anos (HELLINGER, 2020).

O que é Constelação Familiar?

A terapia começa quando o cliente quer esclarecer algo para si mesmo – em qualquer área de sua vida, como por exemplo, relacionamentos conflituosos, doenças, falências, padrões negativos que se repetem, enfim, tudo o que pode estar impedindo o sucesso na sua vida – então, para representá-lo, ele escolhe uma pessoa desconhecida, dentro de um grupo de pessoas que se colocaram à disposição para a sessão de CF.

“No conceito de Hellinger sobre Constelação Familiar, os clientes configuram uma imagem interna de suas famílias. Ao fazerem isso, os elementos de seus sistemas, ou seja, os membros de suas famílias são simbolicamente retratados pelos participantes do grupo em seus relacionamentos uns com os outros. O cliente posiciona cada pessoa no lugar que parece se ajustar mais a ela, seguindo sua sensação ou intuição. (FRANKE, 2013, p.15)”.

O representante não precisa saber nada sobre o assunto da pessoa que será constelada. Uma vez posicionado e conectado energeticamente ao campo de informações do sistema do cliente, ele acessa informações precisas. Descreve sua percepção, sensação ou seu estado emocional. O representante não precisa e não deve se preocupar com o que está acontecendo com ele. Ele só tem que se deixar levar por um movimento que o toma. Ele também não deve pensar e nem interpretar, apenas vivenciar a posição no sistema. Ele será movido, por assim dizer, sem ser capaz de resistir a este movimento.

“A experiência na prática levou à hipótese de que a descrição dos representantes corresponde ao estado emocional dos membros reais do sistema. Os representantes vivenciam essas percepções e sensações tanto pessoalmente como muitas vezes, fisicamente, mesmo sem conhecer o contexto ou as pessoas que estão representando. A Constelação Familiar e as declarações das pessoas posicionadas fornecem dicas sobre uma relação estrutural subjacente, assim, como ideais sobre como proceder. No decorrer da sessão, o terapeuta muda a Constelação para uma forma na qual, idealmente, todos os representantes se sentem bem e podem também introduzir mais intervenções. A intenção é criar uma imagem em que a resolução, e não o problema, é descrita para o cliente. (FRANKE, 2013, p.15)”.

Entregue à observação fenomenológica, o facilitador conduz a Constelação inserindo mais representantes, de acordo com o que é apresentado no campo. Dentro de pouco tempo, vem à tona do que se trata. Ninguém sabe quem esta ou aquela pessoa representa. No entanto, eles são levados por um movimento que os conecta e os supre com informações. É desta forma que a constelação se desenvolve passo a passo. A pessoa constelada, o cliente, também é tomado por um movimento. Ele pode chorar, por exemplo, ou ele próprio pode entrar na constelação. Tudo acontece como se fosse guiado por uma mão alheia. Ao mesmo tempo, os expectadores que estão presentes no grupo da sessão de constelação, observam com atenção, também são tomados por sentimentos semelhantes. Eles de repente percebem que o que está acontecendo diante dos seus olhos também tem algo a ver com eles próprios. Eles estão em ressonância, refletindo seu próprio problema de forma quântica e, ao mesmo tempo, dando impulsos para uma solução.

Campo Mórfico e Morfogenético – informativo para Constelação Familiar

O conceito de campo foi introduzido nos anos 40 por Faraday, na sua pesquisa por campos elétricos e magnéticos. Campo é aquilo que é imaterial, capaz de causar influência em outros corpos. Os gregos antigos chamavam isto de “a alma” da matéria.

De forma mais clara, os campos mórficos podem ser comparados a todos os outros campos da física, sítios não matérias que se expandem no tempo e no espaço.

Sheldrake, biólogo inglês, dedicou-se na compreensão dos padrões morfológicos e comportamentais que se repetem na natureza (SHELDRAKE, 1997). Dessa forma influenciou o pensamento sobre a existência de campos que atuam sobre os organismos. Em 1981 desenvolveu a teoria que existem campos de informações não materiais que são transmitidos por ressonância.

Os campos morfogenéticos influenciam a forma e os campos comportamentais influenciam o comportamento e tudo se repete por ressonância mórfica (SHELDRAKE, 2013).

Essa ressonância mórfica ocorre em sistemas que compartilham traços similares em sua composição, comportamentos repetitivos. Quanto maior a similaridade desses traços, maior a ressonância e maior a interferência desse campo imaterial de informação (ARANTES, 2002).

Arantes (2002) ainda sugeri que nossas próprias memórias dependem da ressonância mórfica e não de vestígios materiais de memória armazenados em nosso cérebro.

Baseando-se nessa hipótese de causação informativa, os campos mórficos são carregados e influenciados pelo que já aconteceu antes, os hábitos se acumulam dentro deles e estes geram as memórias que atuam sobre o sistema familiar. Dessa forma os organismos as herdam de seus ancestrais, servindo de matéria para discutir os conceitos de transgeracionalidade e psicogenealogia.

Epigenética

Conrard Waddington, biólogo inglês, é considerado o “pai” da epigenética. Ele publicou em 1956, um artigo apresentando que uma característica adquirida, resultante de um estímulo ambiental pode ser herdada.

O termo tem origem do grego – “epi” – acima, a seguir, e estuda as alterações nas funções dos genes, observadas na genética, mas que não alteram as sequências de DNA, mas sim a expressão gênica de como a informação genética será utilizada (EGGER, 2004). Seu estudo tem contribuído no aumento do conhecimento dos processos que envolvem hereditariedade, como a metilação do DNA, modificação de histonas e non-coding RNA. As alterações epigenéticas podem ser transmitidas à descendência através dessas mutações.

Para que as mutações possam ser transmitidas às gerações seguintes sem que entrem em contato com os estímulos é fundamental ocorrer a plasticidade no DNA e que haja, posteriormente, apropriação e fixação correlacionado ao fenótipo (conjunto de características). O estresse e vivências traumatizantes – como privação de alimentos, guerras, abandono, contato com agentes químicos, abusos de toda ordem e a migração forçada contribuem para gerar mutações epigenéticas no indivíduo acometido por essas perturbações (JAWAID, 2018).

Os efeitos transgeracionais epigenéticos podem ser removidos se não houver o estímulo para a sua “ativação”. Por isso, abordagens psicoterapêuticas, podem proporcionar reflexões com a inserção de novos estímulos para a mudança dos padrões adquiridos (EGGER, 2004).

https://biologianota10.com.br/post/9/o-fantastico-mundo-da-epigenetica acesso em: 01 de maio de 2021.

De acordo com matéria publicada pela BBC NEWS em 2013[1], um estudo feito por cientistas americanos aponta que o comportamento humano pode ser afetado por episódios vivenciados por gerações passadas por meio de uma espécie de memória genética. As pesquisas mostraram que um evento traumático pode afetar o DNA no esperma e alterar os cérebros e o comportamento das gerações futuras. O estudo, publicado na revista científica Nature Neuroscience, explica que as experiências vivenciadas pelos pais, mesmo antes da reprodução, influenciaram fortemente tanto a estrutura quanto a função no sistema nervoso das gerações subsequentes, concluiu o relatório. Tais descobertas evidenciam uma “herança epigenética transgeracional”, ou seja, de que o ambiente pode afetar os genes de um indivíduo, os quais podem então ser transmitidos a seus herdeiros (DIAS, 2013). Um dos pesquisadores, Brian Dias, afirmou à BBC que tal característica “pode ser um mecanismo pelo qual os descendentes mostram marcas de seus antecessores”. “Não há dúvida de que o que acontece com o espermatozoide e o óvulo pode afetar as gerações futuras”. O professor Marcus Pembrey, da Universidade College London, afirmou que as descobertas são “altamente relevantes para as fobias, ansiedade e desordens de estresse pós-traumático” e fornecem “fortes evidências” de que uma forma de memória pode ser transmitida entre gerações. Diz ele: “A saúde pública precisa urgentemente levar em conta as respostas transgeracionais humanas”. “Acredito que não entenderemos o aumento nas desordens neuropsiquiátricas ou a obesidade, diabetes e as perturbações metabólicas sem esse tipo de abordagem multigeracional”.

[1] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131202_memoria_heranca_genetica_lgb   acesso em 01/05/2021.

Transmissão Transgeracional e Psicogenealogia

A teoria da Transmissão Transgeracional se encarrega de estudar os efeitos que a árvore genealógica, ou seja, todos aqueles que um dia fizeram parte da família, tem sobre o indivíduo. A ideia de que os destinos dos antepassados podem afetar a vida dos descendentes é muito antiga – os chineses taoistas mensuram o destino de uma pessoa avaliando nove gerações anteriores, os Judeus e Cristãos, apoiando-se na Bíblia, dizem que “os erros dos pais cairão sobre os filhos por três a quatro gerações”.

A transgeracionalidade pode ser definida, segundo Kaës, como um conjunto de forças psíquicas inconsciente que pertencem ao grupo familiar que são transmitidas através das gerações pela negatividade: transmite o que está oculto, escondido e não elaborado; tudo o que não for resolvido pela geração em que ocorreu a experiência, será transmitido as próximas gerações, mantendo a conexão através de um sofrimento de causa desconhecida (KAËS, 2001).

Bert Hellinger identificou que por amor, lealdade e fidelidade à família, no momento em que um antepassado deixa situações por resolver, os indivíduos das gerações posteriores experimentarão o sentimento e/ou comportamento, tentarão de alguma forma resolver, permanecendo prisioneiros dos eventos e acontecimentos que não são responsáveis e que não tem conhecimento (HELLINGER, 2003).

O que se transmite é preferencialmente aquilo que não se contém, aquilo que não se retém, aquilo de que não se lembra: a falta, a doença, a vergonha, o recalcamento, os objetos perdidos, e ainda os enlutados. (KAËS, 1998, p.14).

A partir da abordagem transgeracional se aprofunda a análise psicanalítica. Nesse contexto, a psicogenealogia parte da premissa que determinados comportamentos estranhos e inexplicáveis, como transtornos, traumas e conflitos, que impedem a autorrealização e o sucesso de uma pessoa estão vinculados às situações vivenciadas pela sua ancestralidade, dessa forma, a psicogenealogia nos ajuda a compreender a natureza genealógica de nossos relacionamentos, revelando dinâmicas que carregam identificações e implicações de uma geração para a outra. Para que o indivíduo tome consciência e possa se desvencilhar desses vínculos negativos, faz-se necessária uma investigação minuciosa da árvore genealógica, colhendo todas as informações possíveis sobre os eventos dramáticos e segredos pertencentes à família, para que os nós sejam desatados e o indivíduo consiga liberar os pesos que não lhe pertence.

Alessandro Jodorowski foi o criador do termo “Psicogenealogia”, mas a Psicogenealogia sob o ponto de vista familiar sistêmico no que diz respeito às gerações e aos fenômenos inconscientes, foi desenvolvida nos anos 80, por Anne Ancelin Schützenberger, através de um método a partir de diversos estudos transgeracionais que nos anos 1950, nos Estados Unidos, começaram a ser aprofundados.

A questão da transmissão psíquica-inconsciente entre gerações foi identificada por: Jung, Freud, Dolto, Abraham, Moreno. Mas foi Anne Ancelin quem propôs o genossociograma de Henry Colomb como instrumento terapêutico que é a conjunção do genograma e da sociometria de Moreno e é a representação gráfica da constelação familiar, com os seus distúrbios e os seus problemas. Chama de Psicogenealogia o trabalho com o genossociograma ou árvore psicogenealógica e escolheu o termo Psicogenealogia por ser menos técnico que o termo genossociograma, esse estudo vai muito além do registro de datas e nomes.

A psicogenealogia trabalha com os vínculos, laços, dificuldades, eventos importantes, traumas, segredos e conflitos vividos de modo dramático que podem condicionar por transmissão transgeracional os descendentes que se tornam portadores tanto de distúrbios e doenças como de comportamento estranho e inexplicável. A tomada de consciência dessa transmissão ajuda a tornar esses distúrbios “visíveis” e a liberá-los. “Ver” ajuda a criar uma distância entre si e o objeto de sofrimento, ajudando externar aquilo que estava interno (RAVIZZA, 2017).

Relevância e impacto social

Constelações Familiares, Neurociência e Epigenética

Estudos científicos na neurociência mostram que o cérebro tem relevante capacidade de neuroplasticidade (BRUGGMANN, 2021), isto significa que há uma mudança constante ocorrendo nos neurônios. Ao longo da vida, novos caminhos neurais são formados à medida que outros se desintegram com a falta de uso, assim como acontece com os músculos, vão ficando mais fortes ou mais fracos de acordo com os estímulos ou exercícios a que são submetidos. Esta informação tem implicações profundas para a saúde mental e seu tratamento, principalmente no âmbito do processo terapêutico da Constelação Familiar.

A ciência da epigenética apoia esta descoberta, pois os avanços científicos demonstraram que, ao contrário do que se imaginava, o DNA não é fisicamente conectado e pode ser ligado ou desligado por muitos fatores ambientais externos. Esses fatores podem ser as crenças, emoções, estilo de vida, relacionamentos, ambiente em que se vive, conflitos e traumas. Isso significa que as pessoas podem mudar para muito mais além do que pensávamos, não só o seu comportamento, mas a sua carga genética, que será passada adiante para as gerações futuras. 

Processos terapêuticos breves como as constelações familiares permitem que as pessoas reformulem ou mudem suas perspectivas. Em essência, mudem suas histórias. Isso é parte do processo de cura e recuperação. Sob uma visão ampliada, essas descobertas mostram como mudanças no estilo de vida, seja comportamental, como novos hábitos alimentares ou prática de exercícios físicos, seja emocional, como a expansão da consciência sobre sentimentos e pensamentos, têm um efeito positivo sobre todos os aspectos da mente e do corpo. Esse entendimento nos ajuda a ver as pessoas de forma holística, como um todo integrado. Tão importante quanto todos os avanços científicos sobre a funcionalidade do cérebro, é saber também como as pessoas se sentem.

Há muitas pesquisas sobre a conexão entre mente e corpo, comprovando que estresses psicológicos e emocionais também afetam o corpo, como Babette Rothchild explica em seu livro: The Body Remembers – The psychophysiology of Trauma and Trauma Treatment (2000), a mente e o corpo estão conectados por meio de uma vasta rede de neurônios. Isso significa que o que pensamos ou sentimos é transmitido às células do corpo. Além disso, Doidge (2015) discute como o corpo e o cérebro enviam sinais bidirecionais contínuos. O cérebro está para o corpo, assim como o corpo está para o cérebro.

É importante observar a eficácia dos processos terapêuticos focados na emoção e que esse tipo de abordagem vem aumentando consideravelmente. A pauta é que as terapias focadas nas emoções e sentimentos podem ser mais eficazes do que o processo de terapias cognitivo-comportamentais tradicionais que são utilizados amplamente em todo o mundo.

Distúrbios emocionais e traumas estão na raiz de muitos dos problemas do cliente, e a outra vertente de trabalhar com distúrbios emocionais é a possibilidade de resolução das “situações inacabadas ou mal resolvidas” pessoais e também do sistema familiar.

A mente inconsciente não sabe a diferença entre verdade e ficção de acordo com Doidge (2010) em The Brain that Changes Itself. Isso significa que se novas perspectivas puderem ser encontradas no processo terapêutico, é provável que a mente as assuma, especialmente se forem mais favoráveis e menos dolorosas ou perturbadoras do que a história original. Os seres humanos são criadores de significado. Eles sempre têm uma história de si mesmos. Se essa história for otimista, bem-sucedida, de resiliência ou de superação de obstáculos, pode ser considerada uma história saudável. Terá o poder de conduzir o indivíduo para a autorrealização, para o bem-estar físico, emocional e intelectual. Se, no entanto, sua história for de derrota, desamparo ou desesperança, pode ser chamada de uma história doentia, que também será a condutora de sua tendência de criar formas menos saudáveis de vida.

Muitas pessoas estão sofrendo de traumas pessoais ou sistêmicos, pois estão presas em emaranhados, em padrões negativos pessoais ou da ancestralidade. O trauma ocorre em um continuum de distúrbios emocionais e agressões extremas no sistema mental, emocional e neural, que são os sistemas do corpo. Franz Ruppert em seu livro Trauma, Bonding & Family Constellations (2008) afirma que existe um movimento natural para completar a resposta de luta ou fuga da situação traumática original e que, se esta não pode ser feito na hora, muitas vezes permanece no corpo como um movimento interrompido ou perturbação. Isso pode se manifestar como um distúrbio de saúde mental, comportamento ou doença. Esses distúrbios permanecem no sistema familiar até que possam ser tratados adequadamente.

A eficácia do processo de Constelação Familiar é repetidamente reafirmada pelas respostas e mudanças que ocorrem nas pessoas que a vivenciam. No entanto, como o processo é amplamente experiencial, emocional e profundamente enraizado em sensações corporais, é difícil fornecer dados quantitativos como evidência.

Infelizmente, como nos sentimos, muitas vezes é considerado um indicador não tão valioso de mudança quanto os fatores que podem ser medidos fisicamente. Diante de toda a complexidade dos fatores como sentimentos, consciência e o potencial para espiritualidade, tais dados quantitativos fornecem apenas uma compreensão limitada do que é o ser humano.

A prática das Constelações Familiares está inserida numa abordagem fenomenológica, onde nos curvamos amplamente à ideia de “não saber” e que fornece um espaço onde as forças curativas se encontram dentro do sistema familiar, através de um caminho para a sua saudável reorganização.

Em essência, todas as metodologias de aconselhamento ou psicoterapia procuram ajudar as pessoas a criar melhores histórias de si mesmos. Se o processo for bem-sucedido, as pessoas podem ficar menos deprimidas ou ansiosas e, portanto, mais resilientes para criar uma vida interior saudável. Isso pode ser transferido para sua realidade externa. Aqui está uma declaração da experiência de uma pessoa: -“Desde que fiz minha Constelação Familiar, vivo mais na realidade e vejo o mundo de forma diferente. ”

A importância da nossa história e a ideia de que podemos mudá-la não é nova. Milton Erickson, o famoso psiquiatra, hipnoterapeuta e pioneiro em hipnose médica e terapia familiar, afirmou: – “Nunca é tarde para ter uma infância feliz”. Ele passou sua vida ajudando pessoas a melhorar sua saúde mental por meio de histórias que as colocou em um estado hipnótico. Durante a hipnose, a mente consciente relaxa e os elementos inconscientes da psique podem surgir para resolução ou cura. Erickson sabia que a história era simplesmente uma percepção e se isso pudesse mudar, então também poderia mudar a história que eles têm de si mesmos. A história é apenas uma versão de uma interpretação.

No entanto, de acordo com Norman Doidge (2015) em seu livro The Brain’s Way of Healing, por cerca de 400 anos, a crença predominante foi a de que o cérebro é “semelhante a uma máquina” que não pode mudar. Pensava-se que se o cérebro fosse subdesenvolvido ou danificado, ele não poderia evoluir ou reparar-se. Pensava-se que o cérebro e o DNA eram conectados e não podiam mudar.

Descobertas na neurociência demonstram que o cérebro é um órgão em constante evolução com a capacidade de estabelecer novas conexões, novos caminhos e “atalhos” neuronais para curar, modificar ou amenizar processos antes considerados irreversíveis. Isso significa que a percepção que uma pessoa tem da própria história pode resolver perturbações, conflitos e traumas, dando lugar a novas compreensões, onde novas possibilidades e realidades podem surgir.

O poder das Constelações Familiares está em que o processo funciona em muitos níveis simultaneamente. De acordo com Doidge (2015): “O que dispara junto, fios juntos” em termos de neurônios, significa que qualquer modalidade que abrange a mente (consciente e inconsciente), o sistema familiar e os sentidos do corpo (toque, cheiro, audição, visão e emoção simultaneamente), envolve e lida com muitos aspectos da pessoa e do sistema em que ela está inserida. Em uma constelação, onde o processo terapêutico é experimental e fenomenológico, todos esses níveis de consciência e sentidos estão incluídos, então muitos aspectos do sistema de neuronal começam a “disparar” de uma nova maneira. Durante o processo, as emoções podem ser liberadas e novas perspectivas são vislumbradas a partir das novas afirmações sugeridas na forma de frases curativas que, na perspectiva da neuroplasticidade, podem ser consideradas sugestões de fortalecimento que estão disponíveis para serem experimentadas pelos sistemas neurais auditivo, intelectual e emocional. Se considerarmos o que sabemos sobre neuroplasticidade que: “o que dispara junto, fios juntos” (Doidge, 2015) mais neurônios disparam e formam novos caminhos, permitindo mudanças mais profundas na mente, corpo e alma, possibilitando o surgimento de uma nova história que passará a ser a nova realidade do indivíduo e do seu sistema familiar anterior, atual e futuro.

Esta neurociência da plasticidade cerebral e do conhecimento epigenético ratifica o potencial de cura das Constelações Familiares quando consideramos o processo em que o cliente:

• Tem sua imagem interior (inconsciente) do problema exibida por meio de uma representação espacial obtida pelos representantes;

• Observa a si mesmo ao ver seu representante no sistema, onde as emoções e percepções são sentidas e expressas à medida que o sistema expõe o que está no campo morfogenético e, a partir dessas informações, busca soluções para o problema que foi colocado, onde todos os membros encontram seus lugares e sentem-se apaziguados.

• Experimenta e digere o processo, assumindo a nova ordem, a partir da qual ele pode formar uma nova história, uma nova realidade.

É interessante refletir sob a perspectiva da plasticidade cerebral sobre quantos novos neurônios podem estar disparando após esse processo.

O sistema da Família busca equilíbrio e resolução e, sob a minha perspectiva, o que nós decidirmos por nós mesmos hoje, não precisa ser levado para o futuro por nossos filhos ou netos. Tanto da perspectiva da neurociência quanto da epigenética, disparar crenças e emoções ao longo das mesmas vias neurais repetidamente, deve apenas reforçar a crença ou sentimento que está sendo expresso ou sentido pela pessoa. Tão forte é o impacto na via neural que também pode se tornar uma herança possível para a próxima geração, como mostrado em estudos discutidos por Dawson Church (2007) em seu livro sobre epigenética e neurociência The Genie in your Genes. O DNA é ligado ou desligado por sinais fora da molécula de DNA por muitos componentes biológicos, incluindo pensamentos e emoções e o que recebemos por meio de vínculos de relacionamentos. Além disso, Church (2007) disse que: – “as crenças podem se tornar biologia”.

Através desses estudos e pesquisas científicas nas áreas da epigenética e neurociência, o processo terapêutico da Constelação Familiar envolve ativamente a capacidade do cérebro de se reconectar por meio de novas experiências sensoriais, mentais e emocionais, criando novas vias neurais. Assim, o cliente, como indivíduo integrado que é, permite que uma nova história de vitória e êxito emerja sobre as probabilidades, sobrevivendo ou melhor ainda, prosperando, em vez de permanecer como uma vítima das circunstâncias.

Fontes consultadas

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